Memórias Póstumas – Pai

Já faz 25 dias que ninguém escuta sua voz. Desde a minha partida você se fechou e apenas fala o básico, nunca mais soltou uma risada ou fez alguma pergunta. Até hoje não derramou lágrimas por mim e nem demonstrou raiva ou compaixão. Sua face é estática e um enigma para todos.
Te observei e te acompanhei por todos esses dias pai, você sempre foi um exemplo para mim e eu fazia de tudo por você. Até ia contra a minha natureza para tentar te agradar. Infelizmente, ao meu ver, tudo o que eu fiz foi insuficiente, pois você dificilmente me parabenizou por algo. Em todos esses anos eu escutei mais críticas do que elogios, e sofri em silêncio para não te deixar triste e evitar discussões; em respeito a você, em respeito por você ser mais velho e experiente. 
Estou surpreso de você estar indo sozinho ao trabalho com o rádio desligado. Seus pensamentos devem estar turbulentos ou tua mente vagando em algum lugar do universo. Queria muito te entender mais, gostaria de ser capaz de entrar na sua cabeça para entender melhor o seu jeito. A minha admiração por você é tão grande que nem sei explicar direito. Te amo por tudo que você fez por mim em vida, por tudo aquilo que me possibilitou ser quem fui. 
Acho que um dos meus erros foi não verbalizar tanto essa gratidão e esperar que você reconhecesse em minhas atitudes esse amor. Mas eu também senti seu amor, por isso imagino que nessa sua escolha de não falar nada deva ser em memória a mim. 
Não queria ter partido desse jeito, não queria te deixar assim. Mas foi o necessário, estou melhor e sei que você ficará m...
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Desculpa, desculpa por essa lágrima que está caindo. Desculpa por te fazer chorar, por te machucar, por te fazer sofrer. 
Te amo, pai. 

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