Algum lugar, 12 de março de 2022
“A boca que me beija
A mão que me apedreja”
Caro alguém,
Iniciei esta carta com esta frase de Jorge e Matheus. Mas quero adaptá-la para: a boca que me abençoa e me amaldiçoa. Sei que é contraditório, mas na vida nem tudo se pode compreender. Algumas coisas são sem sentido mesmo.
Esta carta é mais um desabafo meu em relação a minha família. Não me entenda mal alguém, de fato eu amo minha família e faria de tudo por eles. Mas fiquei tão chateado essa semana que tive que colocar no papel e desabafar um pouco aqui para você.
Contextualizando, estou trabalhando de segunda a sábado para conseguir me manter e não precisar de ajuda financeira dos meus pais. Então todos os dias eu chego bastante cansado do trabalho. Numa quinta-feira, minha mãe me mandou mensagem a noite e eu respondi ela só na sexta de manhã, de forma rápida pois estava indo trabalhar. 1 hora depois ela me manda ela me manda a seguinte mensagem como resposta: eu queria que você sempre pedisse a benção para sua mãe de manhã.
Fiquei refletindo no peso que essas palavras causaram em mim. Minha mãe é bastante religiosa então o fato de pedir benção está relacionado a uma responsabilidade de oferecer uma proteção divina. Para mim, pedir benção está mais relacionado no campo de respeito para com aqueles que me criaram. Pessoalmente, eu tenho sim o costume de pedir benção para meus pais e minhas avós. Mas pelo whats (às vezes devido a correria do dia a dia) eu esqueço de pedir/digitar.
Mas essa cobrança da minha mãe fez com que eu lembrasse da conversa que tivemos em julho. Em que eu falei para ela que não poderia morar na mesma cidade dos meus pais pelo simples fato de ser gay. Por isso, eu moro a 1300 km de distância deles e acabo me distanciando pelo telefone também, afinal não temos o mesmo cotidiano para ficar comentando sobre as coisas do dia a dia.
Na conversa com minha mãe, eu disse que gostaria muito de morar perto deles para ajudá-los; mas que se eu fosse para lá, não poderia ter uma vida amorosa ou social. Ela simplesmente concordou com isso. Ela poderia ter falado “não, você pode ter sua vida aqui sim”, ou “eu e seu pai vamos tentar te entender mais”… Ela poderia ter dito qualquer outra frase para me confortar. Mas simplesmente ela concordou, pois ela não consegue aceitar a minha orientação sexual.
Ou seja, na minha cabeça, ela ainda acha um pecado o que eu faço e amaldiçoa quem eu sou (sim, sei que é pesado de ler isso, da mesma forma que é pesado admitir e escrever; porém eu já ouvi ela falando “você vai para o inferno”). E mesmo de longe, ela quer que eu peça a benção dela para que ela fale: “Deus te abençoe” ?
Me pergunto se ela está sendo sincera consigo mesma e se de fato ela quer que Deus me abençoe ou não. Lógico que não vou entrar no mérito religioso, eu tenho as minhas crenças e minhas convicções. O que me levou a refletir é essa contradição dos meus pais de me querer perto e ao mesmo tempo me querer longe.
Ainda me machuca o fato de não poder desabafar com meus pais sobre o que eu to sentindo. De não poder pedir conselhos para eles sobre relacionamento. Trilhar esse caminho sem minha família é cansativo. E imaginar que talvez eles nunca estejam presentes nessa parte da minha vida me tira o chão.
Outra coisa que acontece também é que geralmente minha família me procura apenas quando querem saber de algo relacionado a medicina. Inclusive neste mesmo dia que minha mãe mandou mensagem ela perguntou algumas horas depois algo relacionado aos remédios do meu pai. Eu sei que isso é até uma forma dela e dele puxar assunto, pois não temos tantas coisas em comum; só que na maioria das vezes eu fico pensando que para eles eu só tenho essa utilidade. Que o filho deles serve apenas para indicar remédios, e que eu não passo de “um google” com diploma.
Por**, eu tenho sentimentos. Eu quero poder desabafar sobre como foi meu dia, quero contar sobre meu coração partido, quero conselhos sobre o que fazer em relação a certos amigos, quero poder mostrar fotos de quem eu ando. Eu queria apenas o básico…
É egoísmo da minha parte querer isso? Eu tenho que entender a criação deles e a religião deles para sempre? E como fica a minha criação? E como eu fico neste mundo? Cada vez mais distante? Cada vez mais sozinho?
Tentarei lembrar mais de pedir a benção dos meus pais (mesmo que por mensagem), farei isso pois acredito que seja uma forma de demonstrar meu respeito e meu amor por eles. Mas confesso que eu não me sinto amado por eles, pois muitas atitudes deles ainda me causam dor. Não sei até quando irei aguentar e nem sei se deveria aguentar essas atitudes, mas…
Eles (minha família) não conseguem ver que estão destruindo meu coração e que aos poucos – (in)voluntariamente – vou me afastando. Eu gostaria de poder não sentir essa angústia que cresce a cada pedaço tirado, a cada expectativa esmagada.
Com amor,
M.M.